Nosso relacionamento com o mundo tem se tornado cada vez mais efêmero. A quantidade de informação disponível, combinada com o crescimento de conteúdo rápido e fácil nas redes sociais fez com que nossa capacidade de atenção, ou pelo menos a minha especificamente, tenha diminuído bastante. Mesmo que algo tenha impacto intelectual ou emocional, é muito raro que se mantenha na nossa mente por mais de uma semana. A existência de registros permanentes se faz cada vez mais importante para que as coisas não se percam no mar de possibilidades.
Isso se materializa muito pra mim na música: sou um consumidor ávido de novidades, e se eu não manter um registro do que me chamou a atenção, vou acabar ouvindo uma música boa só uma vez.
A iniciativa que eu mais gosto para manter um histórico do que me impactou ao longo dos anos aconteceu por acaso: no auge da pandemia, em casa num ano novo assistindo um show do deadmau5, resolvi elencar minhas músicas favoritas lançadas naquele ano como forma de ritual de passagem de 2021 pra 2022. Desde então todo ano eu elenco as 52 músicas mais importantes pra mim lançadas no ano atual. Mesmo 6 meses depois, sempre me surpreendo com a quantidade de músicas que eu adorei quando lançadas e depois esqueci totalmente da existência. É um túnel do tempo, mas também uma forma de ver como meu gosto musical evoluiu, quais bandas eu gostava na época e até mesmo lembrar da minha vida e como ela se liga com algumas dessas faixas.
Se você está pensando “pra isso que existe o Spotify Wrapped ou similar”, não vou discordar. Mas essas retrospectivas automáticas de apps de música tem alguns problemas:
- É automático, não tem nuances emocionais nem racionais que eu posso adicionar a uma lista.
- Apesar de ser compilado a partir de fatos do meu uso da plataforma, não conta a história completa. Podem ter músicas que eu amei mas acabei ouvindo menos. E eu posso ter ouvido uma música fora do aplicativo. Ou o aplicativo pode estar usando critérios extras que eu não saiba pra fazer uma lista “inteligente”, pq a lista é raramente bate com os dados brutos do last.fm.
- Só vai até meados de Outubro. Pra preparar o evento que essas listas se tornaram, as empresas precisam de uma data de corte para mastigar os dados e gerar relatórios pra cada pessoa e também tendências populacionais. Não é a retrospectiva do ano: é a retrospectiva de parte do ano.
- Mais importante pra mim, não é do ano atual. Eu quero saber exatamente o que lançou daquele ano que me interessou, não minhas estatísticas gerais de todas as faixas que posso ter ouvido. Reconheço que é um sistema meio falho, pois podem existir músicas de anos anteriores que eu descobri depois e acabam sendo importantes pra mim e elas se perdem. Mas assim são “cápsulas do tempo”, elas não são perfeitas. São apenas um retrato do que eu sabia na época.
Talvez você não tenha a mesma vontade que eu tenho de registrar músicas, ou de registrar exatamente o que foi lançado no ano atual, mas se isso lhe deu alguma ideia de fazer algo parecido para todas as músicas, ou pra filmes, séries ou podcasts, recomendo fortemente que o faça. Em um ano isso vai fazer diferença!